[ QUE FUTURO PARA O PODER LOCAL? ]

18.10.2025
Eleições

As eleições autárquicas do passado dia 12 de outubro foram marcadas por uma clara vitória da direita e por um avanço, embora menor do que o expectável, da extrema-direita. Entre os muitos autarcas eleitos, importa destacar, além das grandes cidades como Porto, Lisboa e Coimbra, alguns concelhos que vivem há décadas sob a alçada de um só partido e onde, mesmo em contextos políticos nacionais adversos a determinadas forças políticas, a implantação autárquica supera a tendência nacional.

Ainda assim, é importante salientar que, para partidos com fraca implementação local a nível nacional, esta viragem à direita e as avenidas abertas ao crescimento do neofascismo também nas autarquias representam um desafio acrescido.

Este texto não pretende ser uma análise exaustiva dos resultados eleitorais; trata-se apenas de uma reflexão pessoal, não científica, baseada na minha experiência individual, fortemente influenciada pela minha vivência enquanto ex-autarca, um dos derrotados da noite eleitoral de domingo, e pelo meu trabalho político local num concelho dominado pela mesma máquina partidária há mais de 40 anos.

A direita ganhou, não vale a pena negar

O Partido Socialista, em 2021, tinha vencido as eleições autárquicas. Analisando o panorama geral, mesmo não tendo ganhado a Câmara do Porto e tendo perdido para a direita a Câmara de Lisboa, continuou a ser o maior partido a nível local, conquistando mais de 140 câmaras municipais. À esquerda, a CDU, terceira força política a nível autárquico1, venceu em 19 municípios, mas já sem a pujança de outros tempos. Em 1982, os comunistas tinham conquistado 50 câmaras municipais.

A direita, em ascensão nos últimos anos, em particular desde a queda do Governo de António Costa, tinha, em 2021, 120 autarquias: 114 do PSD (com e sem coligações) e 6 do CDS.

A nível dos partidos sem câmaras, mas com vereadores eleitos, em 2021, o Bloco de Esquerda perdeu 8 vereadores em relação a 2017, mas manteve ainda presença em assembleias municipais, amenizando a queda, em eleições particularmente difíceis para o partido. Já o Chega, que participou pela primeira vez nas autárquicas em 2021, conseguiu eleger 19 vereadores a nível nacional.

Passados quatro anos, o cenário mudou. A direita consolidou a sua vitória em Lisboa e sucede a Rui Moreira no Porto. A nível nacional, ultrapassou o Partido Socialista, que perdeu mais de 20 autarquias.

O Chega, que prometia grandes vitórias, venceu apenas três câmaras municipais, mas aumentou significativamente o número de vereadores, ultrapassando os 130 mandatos.

À esquerda, a queda foi acentuada. A CDU perdeu sete autarquias, mas manteve doze e continuou como terceira força política a nível autárquico. Apesar das perdas, conseguiu alguns resultados interessantes, como em Sines, onde ganhou uma câmara ao PS com 40% dos votos.

O Bloco de Esquerda, que em 2021 tinha perdido várias vereações, em 2025 viu reduzir drasticamente o número de deputados municipais, atingindo mínimos históricos, depois de também ter sofrido o seu pior resultado de sempre nas legislativas de maio. Atualmente, o Bloco conta apenas com uma vereadora a nível nacional, eleita pela Coligação Viver Lisboa.

A tendência é de uma ascensão da direita e do neofascismo, em muitos locais apenas travadas pela bem oleada máquina partidária local, como veremos mais à frente.

Porto, Lisboa e Coimbra

Neste ponto, serão analisados os resultados eleitorais de três dos principais concelhos a nível nacional. A opção pelo Porto, Coimbra e Lisboa deve-se ao facto de cada um deles ter influência regional, garantindo assim uma descentralização da análise pelo território continental. A análise cinge-se apenas aos resultados das eleições locais deste século (2001 a 2025), período que, curiosamente, coincide com o meu tempo de vida.

No Porto, desde 2013, nenhum dos dois partidos do centrão governou a Câmara. Rui Moreira e o seu movimento independente, apoiado por partidos de direita, venceram sucessivamente as eleições para a cidade até este ano, em que, por força da lei que limita um presidente de câmara a três mandatos consecutivos, não pôde recandidatar-se. O PSD, aproveitando a impossibilidade de existir uma recandidatura de Moreira e surfando a onda do conservadorismo e da ascensão das direitas mais radicais, formou uma coligação que repescava dois dos partidos que, em 2021, apoiaram Rui Moreira, a Iniciativa Liberal e o CDS, e venceu as eleições locais.

O grande derrotado foi Manuel Pizarro, candidato pela terceira vez à câmara e, pela terceira vez, derrotado. À direita, o partido fascista conquistou um vereador, conferindo assim um cenário final que pode sustentar uma governação liderada por Pedro Duarte, que assumiu ter de dialogar com todos. À esquerda, o BE e a CDU perderam a vereação, sendo a situação particularmente complicada para o BE, que não chegou aos 2%. O Porto, que neste século foi sempre governado pela direita, conseguiu superar-se e expulsou por completo, do principal órgão municipal, a presença dos partidos à esquerda do PS.

Em Coimbra, a cidade dos estudantes foi reconquistada pelo PS, numa coligação de centro-esquerda que eliminou por completo qualquer possibilidade de eleição para o BE e a CDU. Desde 2001 que a CDU elegia um vereador para a Câmara de Coimbra. Este ano, porém, os ventos de mudança sopraram com intensidade, retirando o mandato à CDU e, em troca, elegendo um vereador da extrema-direita. Sinais dos tempos, nestas eleições que marcaram o regresso do PS ao poder, mas que, pela primeira vez, resultaram num executivo sem a presença dos comunistas.

Em Lisboa, uma grande coligação que juntou partidos da esquerda ao centro ambicionava vencer as eleições e romper com o desastroso mandato de Carlos Moedas, que se apresentou a votos com um catálogo de falhas: desde o desinvestimento na manutenção da Carris a uma cidade imunda e fétida, com os preços mais caros da Europa no que diz respeito à habitação. Catálogo esse que, paradoxalmente, foi suficiente para reforçar a sua maioria e garantir nova vitória face à coligação rival, que, saudosamente, pretendia relembrar os tempos da Grande Coligação Com Lisboa encabeçada por Jorge Sampaio, esquecendo-se, porém, de que Leitão não é Sampaio e de que a CDU só na capital é que mantém maiores reservas em relação a acordos com outras forças políticas. Se Lisboa fosse Loures2, o Porto3 ou Vila Real4 de Santo António, os acordos até poderiam ser com o PSD. Para justificar tais opções, pode o PCP escolher entre a incoerência, o oportunismo ou o entrismo; resta-nos aguardar pela resolução do Comité Central.

Por fim, Lisboa permaneceu sob a alçada de Carlos Moedas. Escrevo isto desde a minha casa na Amadora, porque Lisboa é demasiado cara para se viver.

Partido-Estado à escala local

Como referi no início, o avanço da extrema-direita, antecipado por muitos comentadores televisivos, esbarrou, em muitos casos, nas máquinas partidárias locais que dominam com destreza as instituições municipais e os seus apêndices.

Permitam-me, por uma opção meramente pessoal, utilizar como exemplo casos de proximidade, como o de Santo Tirso.

Santo Tirso é governado há mais de 40 anos pelo Partido Socialista. Em 2019, nem os escândalos de corrupção que envolviam o antigo presidente da Câmara, Joaquim Couto, fizeram tremer a maioria do PS no município. Desde que me lembro que é assim: sucessivas maiorias absolutas, distribuição de lugares políticos e portas giratórias entre cargos nas instituições locais.

Todas estas situações estão à vista de toda a gente, mas por que razão, a nível autárquico, isso acaba sempre por garantir a maioria ao mesmo partido?

As dinâmicas locais constituem verdadeiros microclimas dentro do panorama político nacional, afastando-se, em muitos casos, das regras e tendências que marcam o país. O controlo exercido sobre os órgãos concelhios, a influência e a pressão sobre associações e instituições locais, o efeito dominó resultante de posições de poder prolongadas e a aproximação de certas pessoas aos partidos políticos como via para alcançar cargos públicos são mecanismos eficazes que asseguram a continuidade das vitórias, mesmo em períodos de maior instabilidade política.

Em maio deste ano, em Santo Tirso, os resultados das legislativas estiveram em linha com a tendência nacional: uma esquerda enfraquecida e, pela primeira vez em 10 anos, o PS (28%) ficou atrás do PSD (32%) nas eleições. O partido de extrema-direita ficou em terceiro lugar, com quase 20% dos votos. O BE e o PCP obtiveram 1,81% dos votos e apenas o Livre ultrapassou os 3%.

Chegados a outubro, depois de o PSD cantar vitória em maio e dos fascistas esperarem a eleição de um a dois vereadores em Santo Tirso, a máquina local do PS apresentou-se mais forte e inverteu a tendência de maio, garantindo mais uma maioria absoluta na câmara e na assembleia municipal, com mais de 50% dos votos. Em contraste, o PSD ficou pelos 30% e a extrema-direita pelos 8%. À esquerda, mesmo com alguma implementação local, o BE e a CDU, apesar de aumentarem ligeiramente o número de votos em relação a maio, não conseguiram eleger ninguém para nenhum dos órgãos locais. Essa foi a verdadeira hecatombe e, aí sim, fruto de dinâmicas nacionais, tendo em conta que fogem às regras das dinâmicas do poder local.

Num concelho onde não existiram mais candidaturas à esquerda, o voto dos partidos da esquerda liberal, como o Livre, e do centro progressista, como o PAN, caiu, na sua maioria, para o PS, reforçando as lógicas de poder e demonstrando que, ideologicamente, estão mais próximos do que afastados. À esquerda, urge reinvenção, readaptação e resistência.

Numa última nota, o augúrio do líder fascista André Ventura, que grunhiu bem alto o objetivo de conquistar 30 câmaras, desfez-se em quase nada. Na prática, tentar transpor os resultados legislativos integralmente para contextos locais demonstra apenas desconhecimento das especificidades das eleições autárquicas e de como, em muitos dos 308 municípios, o partido do poder se confunde com a própria câmara: autênticos partido-Estado à escala local.

António Soares. 24 anos. Licenciado em Geografia e mestre em Ensino. Professor deslocado em Lisboa mas que não gosta de Lisboa. Do norte e à esquerda. Militante a tempo inteiro. Gosta de passear para admirar as cidades e nunca diz não a um bom jogo de futebol.

1 - Terceira força política com mais Câmaras.
2 - Em Loures, em 2013, a CDU, faz um acordo para a gestão da câmara com o PSD. A coligação PCP-PEV elegeu cinco vereadores, o PS quatro e o PSD dois.
3 - Em 2002, Rui Rio (PSD), atribuiu ao vereador da CDU, Rui Sá, o pelouro do Ambiente e Reforma Administrativa e a presidência do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento.
4 - Em 2005, na Câmara de Vila Real de Santo António, a divisão de mandatos ficou em três para PSD, três para PS e um para a CDU. A CDU aceitou integrar o executivo e o seu vereador ficar com pelouros.