Em latim, libertas é um substantivo que designa um estado absoluto de liberdade e liber refere-se ao sujeito que não é cativo. Em Principezinho, Antoine de Saint-Exupéry acredita que cativar é o mesmo do que criar laços, é uma forma profunda de amar o outro. No século passado, Sartre profetizou que estamos condenados à liberdade e que está ao alcance de todos a possibilidade de desenhar um destino feito à medida.
Então e para aqueles que estão privados da liberdade?
Os conceitos de «prisão» e «reinserção social»
Angela Davis, filósofa e ativista, considera que as prisões funcionam ideologicamente com um lugar onde as pessoas «indesejáveis» são «depositadas», mitigando a responsabilidade social e política para fazer face às problemáticas que afetam as comunidades marginalizadas.
«Às vezes, é o desespero, uma pessoa chega a casa, não há nada para comer, tem um filho para criar, e o dia seguinte é sempre uma batalha. E eu pensava: hoje vou pedir um pacote de leite ou sopa à vizinha?» Miguel (nome fictício), pessoa privada da liberdade
Nos Estados Unidos da América (EUA), entre as décadas de 70 e 80, houve uma progressiva desindustrialização da economia, especialmente no setor manufatureiro. Além do desemprego, foi também, neste período, que se deu início à construção massificada de estabelecimentos prisionais. No seu livro Are Prisons Obsolete?, Angela Davis acredita que estes dois fenómenos não podem, de forma alguma, ser dissociados, uma vez que as prisões surgiram, para a autora, como meios para gerir e concentrar o que o sistema capitalista declarou, de forma implícita, como «excedente humano».
«Nós, como reclusos, vamos para a rua, temos poucas oportunidades, essa é a verdade, principalmente porque muitos de nós sofrem o preconceito de ser recluso, o preconceito de ser negro, o preconceito de ser de um bairro social, o preconceito de andar com aquele que veste mal. Somos muitas vezes postos de lado.» João (nome fictício), pessoa privada da liberdade
Em Portugal, a Lei da Reforma Penal e de Prisões (1867) introduziu mudanças significativas, incluindo a abolição da pena de morte e a criação de «cadeias penitenciárias». Contudo, foi no século XX, com a criação dos Serviços Prisionais (1933), em substituição da antiga Administração e Inspeção-Geral das Prisões (AIGP), que se desenvolveram e construíram os estabelecimentos prisionais que conhecemos hoje. Já o conceito de «reinserção social» surge pela primeira vez, no âmbito legislativo nacional, em 1982.
«Jails and prisons are designed to break human beings, to convert the population into specimens in a zoo – obedient to our keepers, but dangerous to each other.» Angela Davis, filósofa e ativista
Até à liberdade definitiva da pessoa que está privada da liberdade, que ocorre após o cumprimento integral da pena ou a concessão de um perdão, a lei portuguesa estabelece medidas de flexibilização de cumprimento das penas de prisão efetiva, nomeadamente a liberdade condicional, as saídas de curta duração (que não excedem os três dias), as licenças de saída jurisdicionais (que podem chegar a uma semana completa), o RAI (Regime Aberto ao Interior) e o RAE (Regime Aberto ao Exterior).
A liberdade condicional visa criar um período de transição entre a reclusão e a liberdade, facilitando a reintegração dos indivíduos na sociedade. Por norma, está sujeita a condições, como à proibição de se envolver em certas atividades, à participação em programas de reabilitação e à obrigação de residir num determinado local.
O Regime Aberto no Interior (RAI) possibilita que as pessoas que estão privadas da liberdade desenvolvam atividades no perímetro do estabelecimento prisional e nas imediações com vigilância atenuada, enquanto o Regime Aberto ao Exterior (RAE) permite que, quem está a cumprir pena de prisão, trabalhe em meio livre, sem controlo direto.
As medidas de reinserção social em ambiente de reclusão incluem programas específicos, como o treino de competências para a empregabilidade e a intervenção técnica dirigida a agressores sexuais e de violência doméstica. Nos últimos anos, surgiram também iniciativas que se destinam à criação de espaços culturais e práticas artísticas, junto das pessoas privadas de liberdade.
O projeto «Mozart On» decorre desde 2014 no EP de Leiria. Esta «Prisão-Escola» foi construída em 1946 e destina-se a receber jovens, entre os 16 e os 21 anos, com possibilidade de permanência até aos 25 anos. A iniciativa «Ópera na Prisão» procura diminuir a taxa de reincidência criminal, promover a autoestima e o autocontrolo e desenvolver competências artísticas e técnicas, através da prática do canto lírico e do teatro musical. Os espetáculos são públicos, trimestrais e abertos à comunidade leiriense, já que as apresentações decorrem no Pavilhão Mozart, um espaço prisional adaptado à criação artística. Este projeto pretende integrar culturalmente os jovens em situação de reclusão e evidencia, de forma sublime, o poder transformador da arte na reabilitação e reintegração sociais.
Outro exemplo é o «CORPOEMCADEIA», que surgiu em 2019, com o propósito de conceber «um espaço de experimentação artística, com enfoque na dança e na pesquisa do corpo», inspirada pelas metodologias de improvisação e criação da Companhia Olga Roriz, «em partilha e influência recíproca com o modelo de intervenção em Psicoterapia Gestalt». O projeto é dirigido aos rapazes e homens a cumprir pena no EP de Linhó, localizado em Alcabideche.
Catarina Câmara, formada em Direito e dançarina profissional, acredita que o estabelecimento prisional deve ser um espaço que promove, ativamente, a reabilitação pessoal através de uma «abordagem inclusiva da arte, da justiça e da coesão social». Quando me cruzei com a Catarina pela primeira vez, no EP do Linhó, lembro-me que disse, com a espontaneidade que lhe é característica, que «os homens que cometeram atos de grande violência são também capazes de cometer atos de grande poesia».
A população prisional portuguesa
Estima-se que, anualmente, quase 5 mil pessoas sejam presas e outras 5 mil sejam restituídas à liberdade, após cumprimento de pena em estabelecimento prisional, segundo apurou o Fumaça. No primeiro dia do mês de junho de 2025, cerca de 12 501 indivíduos estavam a cumprir pena nos 49 estabelecimentos prisionais portugueses, de acordo com a Direção Geral dos Serviços Prisionais (DGRSP).
Pese embora Portugal seja o 7.º território mais pacífico do mundo, segundo o Global Peace Index 2025, é também o país da Europa com a maior duração de penas. A média europeia ronda os 11,8 meses, enquanto a portuguesa é cerca de 30,2 meses, conforme o Relatório «SPACE I» 2023 do Conselho da Europa.
Há dois anos, havia aproximadamente 113 pessoas presas por cada 100 000 habitantes em Portugal. A média das idades dos indivíduos que estão em reclusão ronda os 41 anos e mais de 90% da população prisional é do sexo masculino.

Apesar da ausência de dados oficiais sobre a reincidência criminal, a RESHAPE admite que o número pode chegar aos 60%, o que significa que, do total de indivíduos que estão privados da liberdade no momento presente, cerca de 7500 pessoas já tinham, anteriormente, cumprido pena em estabelecimento prisional.
Em 2024, o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) revelou uma descida de 4,6% na criminalidade geral em Portugal. Ademais, em Lisboa, verificou-se a segunda maior diminuição da década relativamente à criminalidade geral (-12,6%) e à criminalidade grave e violenta (-10,4%). Sabe-se também que, no ano passado, 23 mulheres foram assassinadas num contexto de violência doméstica e o número de crianças e jovens afetados por este crime aumentou.

Quanto à tipologia, os crimes praticados em Portugal com condenações de penas de prisão efetiva são, na sua grande maioria, crimes contra pessoas (31%), crimes contra o património (24%) e crimes relativos a estupefacientes (19%).

O projeto de reabilitação
Nos últimos anos, têm surgido, reiteradamente, no espaço público, a pari passu com a ascensão dos movimentos de extrema-direita, afirmações atentatórias ao paradigma legal e constitucional português, designadamente a pena de prisão perpétua e a pena de morte como possíveis soluções para a criminalidade. Verifica-se, amiúde, um discurso norteado pela punição e sofrimento como formas de redenção – e até expiação – da culpa.
Se é certo que a privação da liberdade é uma medida necessária em determinadas circunstâncias e, em ultima ratio, no leque de penas, é também fundamental que a reclusão seja orientada por uma perspetiva pedagógica e humanizada. O projeto de democratização dos estabelecimentos prisionais não será alcançado sem que haja uma participação representativa e uma liderança efetiva das pessoas privadas da liberdade.
O artigo 40.º do Código Penal define as finalidades das penas e das medidas de segurança. No número 1 pode ler-se: «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a filosofia da lei propõe um modelo de ressocialização das pessoas que cometeram crimes. O nosso sistema penal insere-se, de forma inequívoca, na denominada «perspetiva de prevenção geral de integração».
Umas páginas depois, no artigo 70.º, o Código Penal recomenda que o tribunal dê, naturalmente, preferência às penas não privativas da liberdade, sempre que estas se demonstrarem adequadas e suficientes. No artigo seguinte, acrescenta, ainda, que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção».
Mas o que significam, afinal, as exigências de prevenção geral? Além de reafirmarem a validade da ordem jurídica, estes princípios são também uma forma de dissuadir a sociedade das práticas criminosas. Contudo, não devem determinar a decisão judicial ou ser a única razão pela qual uma medida privativa da liberdade é aplicada.
O crescimento da extrema-direita, aliado à sua – já extensa – representação parlamentar, tem impulsionado uma argumentação que subtrai o sujeito do foco das decisões judiciais e elege a comunidade como regente da punição. E, embora a lei portuguesa privilegie uma abordagem reabilitadora, o sistema prisional nunca acompanhou verdadeiramente esta visão. Existem, por exemplo, várias centenas de pessoas privadas da liberdade que estão numa circunstância «inativa», ou seja, não frequentam atividades laborais ou educacionais no contexto de reclusão, única e exclusivamente devido à escassez e limitação de recursos nos estabelecimentos prisionais.
A Ordem dos Advogados Portugueses estima que, nos últimos oito anos, o Estado Português tenha sido condenado, pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, a pagar 1,2 milhões de euros a pessoas que estiveram privadas da liberdade pelas condições degradantes a que foram, sistematicamente, sujeitas. Este valor deverá subir exponencialmente nos próximos meses, uma vez que há cerca de 500 novas queixas contra o Estado português a serem analisadas. Os longos períodos de confinamento em celas sobrelotadas, com 4 a 7 metros quadrados, foram também alvo de crítica internacional.
«Dentro do sistema, são poucos os apoios que a gente recebe, pelo contrário, se a gente for atrás dos apoios, somos ainda mais crucificados, parece que temos de estar sempre a pedir batatinhas, a implorar.» Manuel (nome fictício), pessoa privada da liberdade
A maturidade de um Estado de Direito Democrático define-se, em larga medida, pela forma como versa sobre as pessoas que estão numa situação de fragilidade e vulnerabilidade. Contrariando uma lógica punitiva, a minha proposta vai além da edificação de um modelo de reintegração, ressocialização e reabilitação, mas na necessidade de um debate sério e consciente sobre as causas estruturais do crime, como a pobreza, a desigualdade social, a discriminação e a perpetuação da violência. Não há, pois, liberdade sem justiça social.