«Novo IRS beneficia classe média que estava a “desaparecer”» (Monteiro, 2025) – o que significa que as diferenças sociais se tornam cada vez mais acentuadas; «Deram cabo da Classe Média» (Pais, 2025) – a classe trabalhadora vive cada vez mais dificuldades; «Preços afastam classe média do Algarve» (Antunes, 2024) – a disparidade de salários não permite que a maior parte da população consiga usufruir do seu próprio país; «Poder de compra da classe média portuguesa é dos mais baixos da UE» (Machado, 2023) – os salários da classe trabalhadora são baixos.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), um indivíduo pode ser considerado classe média quando o seu rendimento líquido compreende entre 75% a 200% do rendimento médio de um país (Mendes, 2025). Em fevereiro de 2025, o salário médio bruto dos trabalhadores portugueses era de 1602 euros (Patrício, 2025). Ou seja, no mesmo mês, podia ser considerado um membro da classe média qualquer trabalhador em Portugal que ganhasse entre 1201,5 euros brutos mensais e 3204 euros mensais, valores estes com um intervalo considerável. Comparemos estes valores, agora, com o salário mínimo nacional atual, de 870 euros brutos mensais, e consideremos que, em 2024, 21% da população portuguesa tentava realizar a sua vida com base nestes números. Por outro lado, na nossa vizinha Espanha, o salário mínimo é de 16 576 euros anuais, pagos 14 vezes (Agência Lusa, 2025), ou seja, 1184 euros mensais, números muito próximos de um salário mínimo de classe média em Portugal.
Se o leitor considerou, como eu, estes valores baixos, saiba que um diretor industrial recebe um salário anual compreendido entre 90 000 e 140 000 euros anuais (Santos, 2025). São estes os valores que, em conjunto com o crescente número de milionários em Portugal, que deverão crescer mais de 200% até 2028 e que levam a que o salário médio nacional suba. A razão pela qual se mantém tão distante de valores milionários deve-se ao alto número de salários baixos e mínimos que se juntam a estas contas. Segundo a OCDE, cerca de 60% dos portugueses pertencem à classe média (Monteiro, 2023), o que, considerados os números acima expostos, pode ser considerado pura ficção de números desvirtuados da realidade e contados nos mesmos moldes que outros países europeus com características económicas diferentes de Portugal.
Podemos remontar às origens do termo «classe média» ao aparecimento do estrato social burguês, durante a época moderna, este constituído por elementos do povo que, enriquecendo à custa da atividade comercial, começam a ascender socialmente, aproximando-se da nobreza, sem, no entanto, pertencer a esta. Hoje, confrontamo-nos com uma nova organização de classes, uma estrutura capitalista dividida entre empregadores e empregados, bem pagos e mal pagos. E, num mundo globalizado, marcado por períodos alternados de recessão e prosperidade, a classe média é um instrumento político de gestão em momentos de crise, de forma a atenuar as disparidades económicas, sendo utilizado pela política, indevidamente, de forma permanente, no sentido de convencer a população de que a sua situação financeira não é tão grave quanto parece, desta forma contendo eventuais revoltas ou reivindicações.
A população portuguesa era, em 2019, no panorama da Europa, aquela que menos se identificava com a definição de «classe média» (Paula, 2019). Não é apenas uma sensação. Muitos portugueses cujo salário chega, apenas com sorte, para pagar as contas mensais ficariam surpreendidos se soubessem que se classificam dentro do espectro de classe média. Outros dirigem-se a si mesmos dessa forma apenas porque os dados assim os representam, o que não elimina, no entanto, que escolhas tenham que ser feitas sobre a prioridade entre saúde, educação, alimentação, habitação, transportes, entre outros. Não elimina o facto de, em certas regiões, ser mais económico ir a Espanha para fazer compras de mercearia ou abastecer o depósito do automóvel. Não elimina o facto de uma percentagem considerável da população sentir a necessidade de trabalhar horas extra todas as semanas (Pereira, 2016). Esta não é a definição de conforto que tanto associamos à ideia de classe média. É a definição de uma conformação à atual economia e aos termos criados pela política para nos descrever.
Uma outra prova da existência espectral da classe média é a falta de rigor e consistência na sua definição. Ao passo que alguns argumentam que esta se baseia em fatores salariais, outros apontam o nível de conforto, instrução e padrões de vida, ou ainda a percentagem de contribuições fiscais. É uma classe de ajuste à realidade. Do «dá jeito que agora seja assim», ou seja, uma instrumentalização de um setor da população para gerir uma economia que não permite o cumprimento das necessidades básicas de toda a população de um determinado território. Um elemento de «classe média» não deixa de mencionar a sua distância de um indivíduo rico, em termos de possibilidade de adquirir posses ou serviços.
Somos levados a crer que as disparidades sociais no nosso país são menos graves do que a nossa perceção, uma vez que uma parte da população portuguesa carrega consigo este título, esta garantia de que não está tão mal quanto poderia estar. Esta garantia de que, apesar de ter de escolher entre o acesso à saúde e pagar as contas no fim do mês, se encontra na privilegiada posição média. Uma «palmadinha» nas costas que acalma a revolta e indignação. No entanto, quando o salário mínimo português (870 euros pagos 14 vezes ao ano), é comparado com o salário mínimo do Luxemburgo (cerca de 2703,74 euros mensais, para trabalhadores não qualificados), mantemos a noção de conforto económico da classe média?
Rafaela de Vasconcelos tem 24 anos e é estudante de mestrado em História na FCSH-UNL. Adora ler sobre a dinastia Tudor e especializa-se em história da moda e conceções de género na época moderna. Secretamente quer usar corpetes renascentistas.


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